domingo, 10 de abril de 2016

amor plural

pairavam sobre a mesma cidade. acumulavam os mesmos objetos. admiravam os mesmos detalhes. caminhavam pelos mesmos lugares. liam os mesmos autores. fechavam os olhos ao som das mesmas músicas. sorriam pelos mesmos motivos. eram sempre três, com suas coisas em comum. só podiam se amar dessa forma.

rio, 10/04/2016

amor sem gênero

não sabia se aqueles eram olhos moles ou de ressaca. mas gostava de ser flaneur diante deles. tinha um plano arquitetato e cultivado no crânio e no peito: um infame e tosco trocadilho rimado de "na serra dos órgãos conquistar seu coração, e um dia se casarem no cemitério da consolação". nada que saísse de sua boca. saía pelos poros. devolvia o mesmo olhar confuso e era feliz assim.


três coisas serviam de empecilho. lembrava disso todos os dias. era o suficiente. o suficiente para não colocar em prática nada do que pensava todos os dias. permanecer cronista era a palavra de ordem para acalmar o crânio e o peito em desordem. ainda bem que existem os abraços de despedida.

rio, 10/04/2016

quarta-feira, 30 de março de 2016

A imagem-antes-da-imagem (fragmento)


(conectando Filosofia contemporânea com Museologia depois de uma aula sobre David Hume)

Se a "coisa eu" só existe enquanto uma ficção forte que crio para existir para mim mesma, como sei que sou? A identidade pessoal, criada a partir de fragmentos que apreendo do mundo externo/sensível é, portanto, variável. Então não-sou, sou, des-sou e re-sou permanentemente. A única coisa que fica é a mudança.

O que é a imagem antes da imagem? Que pré-imagem é essa? A imagem que esse "eu não configurado" vê? A imagem antes da imagem pode ser pura? O "eu já configurado" pode "identificá-la"? A imagem-antes-da-imagem, então, não é. Pois, se só sou com um externo à minha volta, manchando-me e fazendo com que crie minha identidade, antes disso a imagem não é nada, não se fixa. Ela passa batida até que a identifiquemos e a signifiquemos em nós, fazendo com que essa imagem-antes-da-imagem se torne a imagem como "vemos", com nossos olhos de um "eu já configurado".

As coisas me causam significação/identificação e assim construo minha identidade pessoal. E esse "eu manchado" significa as coisas. É isso? Acredito que seja um possível, tomando por base a frase de Edgar Degas "arte não é o que você vê, mas o que você faz os outros verem".

Rio, 29/03/2016

domingo, 13 de março de 2016

colagens

Este blog está de prova: a poesia me levou ao livro (enquanto objeto), que me levou até a encadernação (enquanto estrutura), que me levou à busca de conhecimentos sobre o papel (enquanto ofício), que me levou à colagem (enquanto prazer), que eu curtia desde antes de mergulhar na poesia. Série Rio Antigo: todas as Deborahs concordam que este é o tema mais deborianoh ( :-P )

"Amarelinho da Cinelândia"

"Jean Baptiste Malta I"

"Jean Baptiste Malta II" 

"Jean Baptiste Malta III"

segunda-feira, 13 de julho de 2015

que mira, Miramoça?

Para quando a poesia não quer ser escrita em times new roman 12. Às vezes eu queria ter "de Andrade" no sobrenome.
Clique no título da postagem e venha conhecer uma poesia toda prosa :-)

domingo, 12 de julho de 2015

caderninhos!

Para escrever, desenhar, olhar, pendurar no pescoço, guardar as chaves, grudar na geladeira.
Clique no título da postagem e venha conhecer caderninhos fofos e divertidos feitos à mão :-)





terça-feira, 30 de junho de 2015

noturna opus 9 n.2

Ouço ajoelhada
suas noturnas, valsas e polonaises.
Componho, emocionada,
ao som de sua música-prece.

Sua opus é toda prima,
sua melodia é toda rima.

É fácil reconhecê-lo pois
quando o peito aperta
a música é, obviamente,
desesperadamente Chopin.

Deborah O'Lins de Barros
(2010)

domingo, 26 de janeiro de 2014

há mar

se um dia me procurarem
e eu não estiver nas velhas ruas
do Centro da cidade
nem no bairro
das minhas saudades
nem nas praias
nem nas gramas
nem no Museu de Belas-Artes,
não pensem que morri.
se um dia por aqui
já não me acharem mais,
me procurem,
ou imaginem.
estarei
em Minas Gerais.

Deborah O'Lins de Barros
Rio, 18/01/2014

terça-feira, 2 de julho de 2013

fome

você diz que a poesia
é para ser vivida.
mas que brega.
eu digito,
tu digeres,
ele rumina.

você diz que poesia
não enche barriga,
como se não houvesse
lirismo na pança boêmia
do chope
na esquina.

você diz que escreve poesia.
poesia apenas, não.
poesias apenas são.
a poesia do homem são
é para ser
comida.

Deborah O'Lins de Barros
Rio, 18/06/2013

terça-feira, 14 de maio de 2013

nervos


Almodóvar, gato da dona Amélia. Dona Amélia era meio doida, diziam os moradores do nono andar. A diversão de seus netos era visitar a avó e ver Almodóvar abrir sozinho a janela de correr.

Dona Amélia gritava quando ficava nervosa. E, segundo os vizinhos, ficava nervosa sozinha, em casa.

Um dia, durante um solilóquio histérico na cozinha, Almodóvar saiu de seu esconderijo atrás do fogão, caminhou até a sala, abriu a janela e pulou.

Deborah O’Lins de Barros
Rio, 13/05/2013