domingo, 12 de setembro de 2010

Marina queria o príncipe encantado

Não adiantava. Ela fazia questão daquelas baboseiras e cerimoniais. Desde sempre. Desde quando era criança. Por que então ela, que era de verdade, não poderia ter um casamento tão lindo quanto os que fazia para suas bonecas?

Tinha de ser tudo perfeito. Marina estaria carregando livros na mão, ele esbarraria sem querer, haveria a troca de olhares enquanto os dois recolhem as coisas do chão. Depois ele a chamaria para um café, para tomar sorvete, para um cinema, um jantar, conhecer seus pais. Tudo perfeitamente clichê. E feliz.

Infelizmente a vida não é como brincar de bonecas. O príncipe encantado estava demorando. Marina passou da fase de carregar os livros no braço. Passou da fase do namoro no sofá. E agora, nem com seus pais ela morava.

O tempo era cruel. O emprego e a faculdade consumiam sua semana. O café era no corredor do escritório. O cinema, apenas quando o filme era imperdível. Depois que se formou, continuava jogando fora boa parte do seu tempo no trânsito da cidade grande para onde havia se mudado, transferida pela empresa.

A viuvez da mãe fez com que Marina a levasse para seu apartamento. A casa na cidadezinha se transformou em um doce refúgio de fim de semana. Mãe e filha dividiriam suas solidões.

Frustração não era palavra que se adequasse a Marina, a não ser que a vissem como uma princesa velha à espera do príncipe que – ainda – não veio. Mas isso ela disfarçava muito bem, seu trabalho ajudava a camuflar.

Algum tempo passou. Mais algum. E mais algum. A amargura debruçou sobre Marina quando sua mãe faleceu. Agora sim, ela estava sozinha no mundo. Sem ninguém para conversar, cuidar, dividir sorrisos. Com a chegada da aposentadoria, ela decidiu que alugaria o apartamento e mudaria de volta para a casa onde passou sua juventude e deliciosos finais de semana.

Indo ao encontro de um amigo que ajudaria com a papelada, Marina equilibrava nos quase frágeis braços os documentos da aposentadoria, do apartamento, da casa e do óbito da mãe. Apenas um leve esbarrar sem querer e tudo se espalha no chão.

A frase “desculpe, deixa que eu ajudo” muda tudo de figura. Marina levanta os olhos e ali estava um senhor com sorriso gentil, que depois a convida para tomar um café. Passaram tardes tomando sorvetes, foram ao cinema e jantaram em restaurantes bonitos. E ainda resolveram casar, com toda aquela baboseira e cerimônia, tudo o que tinha direito. Tudo perfeitamente clichê. E feliz.


(escrito depois de ler Uma Idéia Toda Azul, de Marina Colasanti)
Deborah O’Lins de Barros
08/09/2010