quarta-feira, 22 de julho de 2009

dois contos curtos para uma tarde cinza

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liaCom medo de lembrar, ela lia. Viajava por histórias diferentes das suas. Até que um dia, a desatenção a fez cochilar. Dormindo, sonhou com sua própria história. Acordou arrependida, mas não quis ir a um padre se confessar só para não ter que lembrar tudo de novo. E voltou para sua eterna leitura.
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sinaisPrimeiro foi a barriga. Apareceu de repente, quase que da noite para o dia. Alguns dias depois, o homem notou que estava calvo. Achou estranho. O fim da picada foi quando o filho riu de sua cara quando foi procurar informação em sua Barsa de 15 volumes. Não agüentou mais. Foi até o banheiro, lavou o rosto e quando deparou com sua cara no espelho, descobriu: “puta-que-pariu, envelheci!”
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(escrevi esses minicontos durante a leitura de "Contos de Amor Rasgados", de Marina Colasanti)
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e como quem conta um conto aumenta um ponto, leia também a repercussão de Lia, que ganhou um amiguinho e uma ilustração bonita no blog do meu amigo Cleto de Assis, o Banco da Poesia.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

carta a humanidade que virá

revisto e aumentado em 10/07/2009
modéstia à parte, um clássico!! (já foi publicado no Caderno Literário CLAP, no site www.palavrastodaspalavras.wordpress.com , no www.duplipensar.net , no meu antigo blog...)
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Meu nome é Deborah. Embora de família cristã, eu e minhas irmãs (Rachel e Sarah) fomos batizadas com nomes judaicos, por opção de nossos pais. Antes de começar o relato propriamente dito, gostaria de deixar uma colocação às gerações vindouras (outros relatos de meus contemporâneos podem confirmar): viver na época em que vivo é muito chato. A minha história é a microhistória da minha geração, minhas raízes nasceram, foram arrancadas, replantadas, arrancadas novamente e assim por diante.
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Eu realmente espero que alguém leia isso em algum futuro, por que não me deparei, até agora, com nenhuma admoestação das gerações passadas, que tanto invejo. Todas as guerras, guerrilhas e conflitos do século XX, foram o estopim para a desestruturação política, social e moral desse novo século XXI. A cada dia eu fico com mais medo de presenciar o "admirável mundo novo", previsto pelo escritor Aldous Huxley.
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Bem, vamos por partes, vou tentar deixar vocês a par das coisas que acontecem nessa era pós-moderna de intolerância. Há uma metáfora que diz que se alguns jornais forem espremidos, escorrerá sangue por eles. Acreditem. Se eu juntar numa folha as centenas de acontecimentos que ocorreram a partir do ano em que nasci, 1983, e apertá-la, uma poça de sangue venoso se formará junto a meus pés. Mesmo assim, tenho orgulho de ter assistido ao vivo, embora pela literalmente globalizada tevê, à queda do Muro de Berlim, quando eu tinha seis anos; e o que me despertou para a política, os atentados de 11 de setembro de 2001, no Wolrd Trade Center.
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A parte boa é que minha geração teve o privilégio de acompanhar desenhos animados educativos, como Muppet Babies, meu predileto. Assistimos ao primeiro filme totalmente feito por computador, "Toy Story", no cinema. Vimos a internet virar o que virou, vimos pela tevê Nelson Mandela saindo da prisão, dando tchauzinho e pondo fim no apartheid. Vimos os Estados Unidos elegendo seu primeiro presidente negro. E claro, vimos Michael Jackson.
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Sabe o que me deixa mais irritada nesses "tempos modernos"? Parece que não aprendemos nada. Não aprendemos nada com os "erros" do passado, não aprendemos nada na escola. E o pior, ou o irônico, é que as pessoas que menos sabem, parecem ser as mais felizes, pois não se preocupam. Como afirmou um personagem do filme que marcou época, Matrix, "a ignorância é maravilhosa". Porém, certa vez eu escrevi numa caixa, quando me mudei do Rio de Janeiro para Santa Catarina: "se a ignorância é uma bênção, eu amo ser desgraçada". E quem opta pela busca do conhecimento se torna um desgraçado mesmo; somos angustiados, poucos, espelhados, impotentes. A grande massa que nos apoiaria numa revolução não pode perder o capítulo inédito da novela.
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Não sou de esquerda. Nem de direita. Me considero apenas uma sonhadora. Outra coisa interessante na minha geração é que somos um bando de indecisos. Não somos (mesmo que às vezes proclamemos) 100% nada. Combinamos camisa do Che Guevara com tênis All Star, somos católicos e acreditamos em reencarnação, praticamos esportes e nos drogamos regularmente, somos mestiços, bissexuais e musicalmente ecléticos. Falando em música, a nossa arte num geral está capenga. Na verdade, qualquer coisa ("coisa" mesmo) que for feita poralgum famoso ou descendente (o sucesso não é mais mérito, ele é hereditário) e for bem divulgado, terá um bom retorno. Parece que estamos levando a sério aquela piadinha do Andy Warhol de fazer a "arte do comum". E o pior, vende que nem água e custa os olhos da cara.
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É isso. Eu, daqui do passado, espero ter cooperado em alguma coisa para o futuro, isso é, se ele houver, se não acabarem com o mundo antes. Espero que vocês, de fora do paradigma da minha geração, aprendam o que eu nunca aprenderei. Quanto a mim, vou continuar imaginando como seria bom se eu tivesse vivido na época, ou tivesse sido o Álvares de Azevedo, o Edgar Allan Poe, a Georges Sand, o Oscar Wilde...
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Deborah Oliveira Lins de Barros