sexta-feira, 24 de junho de 2011

postal [1]

Era um senhor fascinado por postais. Coleções de todos os cantos do mundo enchiam suas estantes. Países que não existiam mais, postais da época de guerras. E sempre recebia mais, de amigos que lhe enviavam. Participava de uma grande rede de troca de cartões.

Um dia o carteiro trouxe um malote desconhecido. Estranho, pensou o velho. Daquele remetente ele ainda não tinha nenhum cartão-postal. Abriu curioso, não é possível. Os postais eram de sua cidade. Guardou a esquisitice e não comentou com ninguém.

Mensalmente mais postais dali, com o endereço de lá, chegavam. E pior. Muitos narravam a vida da pequena cidade, com detalhes que o velho nunca se interessou. Lugares onde ele nunca quis ir. Não agüentou. Foi dar uma volta e constatou que todas as informações estavam corretas, mas ninguém pode lhe dar informação de algum excêntrico e misterioso colecionador. Ninguém conhecia alguém que tivesse aquela letra.

O velho chegou em casa e olhou os seus estranhos postais. Juntou tudo numa caixa e enviou para o remetente. E os estranhos malotes começaram a chegar novamente.

fim (será?)

escrito em 2010

domingo, 19 de junho de 2011

poesia nossa de cada dia

Poeta-morto que está no céu,
ou mesmo que ainda no Inferno de Dante,
abençoa as exposições de arte,
as peças de teatro,
e toda obra escrita:
que ela seja lida e não apenas
um enfeite na estante.

Perdoai nossos erros gramaticais,
assim como perdoamos as bizarrices que já lemos antes.
Abençoa-nos com situações inusitadas,
que nos inspirem a usar palavras bonitas
em melopéias contagiantes.

Nos poupe das rimas pobres,
que possamos colorir muitos versos brancos.
Nos dê força para aguentar os que dizem
que qualquer coisa é poesia,
pois tu nos ensinaste que só é poesia
quando há intenção de matar.

E nós, aqui, aproveitaremos o dia,
ouvindo sempre um suave murmúrio
- que não vem do mar -
e nos diz carpe... Carpe Diem!

(escrito em 2008)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

o beijo,

quando muito desejado,
vira afresco renascentista
escultura de Rodin
fotografia de Bresson.
vira quadro,
vira uma coisa surrealista
noturna de Chopin
poesia de Allan Poe.

te echo tanto de menos
e te desejo tanto demais
que agora me gustaria
beijar-te
e nada mais.