segunda-feira, 11 de maio de 2009

os outros foram manjericão



Tudo foi muito divertido na vida daquela senhora. Muita arte, muita música, muitos amigos, muitas lutas. Mas Stela decidiu que queria voltar no tempo. Como não tinha como levar sua empreitada adiante, restou imaginar. Lembrou de George. Embora volta e meia lembrasse dele, dessa vez foi diferente. Lembrou de uma forma definitiva. Como seria se tudo tivesse sido diferente?


Tanto tempo atrás, aquele encontro com a turma do colégio, a última partida de baralho, George se levanta e estende as mãos para Stela. E se fosse um novo começo para os dois? A imaginação começou a engrenar. Stela nunca se perdoou por não ter visto as mãos de George e se levantado sozinha. Talvez saíssem para tomar um chope. Conversariam. Ririam juntos e chegaria aquele maravilhoso momento em que os dois, repentinamente sem assunto, se beijariam. E Stela seria feliz para sempre com George. Será?


Stela era ciente do abismo cultural que havia entre os dois naquele momento de suas vidas. Ela adorava um boteco, ele era esportista. Bem, talvez ela não teria começado a fumar. George era pacato, quase tradicional, mas divertidíssimo. Stela quis estudar e sempre se recusou a ser dona-de-casa. Preferiu descobrir o mundo. Passeou pela ficção e realidade. Sua profissão a deu o luxo de ter pretensões internacionais. Gostava de pensar que, se George estivesse com ela, o levaria para todas as viagens. Isso, claro, se ele quisesse ir, engolindo o machismo da época e ser acompanhante de uma mulher em suas viagens de trabalho. E se o amor tivesse sobrevivido a essas circunstâncias, no momento que ele a pedisse em casamento ela largaria tudo. Sua vida seria totalmente diferente.


Como seria a sua casa? Imaginou um jardim com muitas rosas, por causa daquela canção de um disco da Gal, que a fazia lembrar de George: “ele era uma rosa, os outros eram manjericão...”. Talvez uma casa com quintal e quadra de basquete, como nos filmes americanos. Stela percebeu que não teria seus gatos e uma biblioteca espalhada pelo apartamento, mas não faz mal. Ela e George teriam filhos e, claro, envelheceriam juntos.


Mas será mesmo que essa outra vida realmente teria valido a pena? Stela sabe que há pessoas que forjam uma felicidade que lhes falta. Mas seria possível que todas as suas decisões arrojadas, todas as viagens exóticas fossem uma espécie de fuga de tudo o que lembrasse George? Não soube imaginar uma resposta. De repente, uma súbita inspiração veio em sua cabeça e Stela compôs mentalmente o trecho:

Meu espírito,
Careca de saber que os opostos
Só se atraem na física,
Pouparam-me de dor maior,
Sabendo que minh’alma suportaria
Conviver com a ilusão
E não mais que isso.

E depois desse último e derradeiro pensamento, Stela, satisfeita com o que fez de sua vida, morreu em paz.


...

4 comentários:

Simone Castro disse...

Muito, muito bom! E eu já conhecia...rsrs. Bjos Deborah!

Ricardo Steil disse...

Parabéns Deborah, ficou muito bom. Adorei o final.

Anderson disse...

Muito bom mesmo! Parabéns pelo texto...

Deborah O'Lins de Barros disse...

obrigada, obrigada... esse conto me consumiu, mas eu também adorei o resultado :-)

que venham as editoras!! hehe